À palestra de hoje, dei-lhe
o nome de: Ingratidão de uma existência.
Decidi chamar-lhe assim,
porque hoje vou revelar-vos uma coisa sobre mim: Sou um ingrato com a minha
vida.
Não é fácil dizer-vos isto
de ânimo leve e sem sentir as “dores morais” de uma consciência que me aponta o
dedo acusador. Chegar ao ponto de admitir isto, é desde logo uma luta interior importante,
pois tive de silenciar o meu Ego, deixá-lo de lado por uns momentos e simplesmente
não lhe dar ouvidos. Para chegar a este ponto, é
necessário admitir que sou uma pessoa egoísta e orgulhosa, pois a ingratidão nasce pelos sentimentos de egoísmo e orgulho,
próprios de um ser encarnado ainda mal depurado, e ainda muito ligado à matéria.
Não é fácil admitir estes defeitos. Não é fácil para mim, tal como julgo não
ser fácil para muitas pessoas. E mesmo que como eu os admite, também não é
fácil actuar da melhor forma sobre eles para os diminuir ou anular.
E porque é que vos disse que
sou um ingrato?
Pois bem, a verdade é que
teimo em viver mais uma existência na ingratidão. Na ingratidão de muitas vezes
mal agradecer ou nem sequer agradecer o bem que me é feito. E digo-vos isto,
porque sei hoje, que não agradeço o suficiente a Deus e a todos os meus “irmãos”
que directa ou indirectamente, quer por acções ou pensamentos, me desejam o Bem
e me dão Amor fraterno. Na verdade, nunca agradecemos demais o Bem que nos
fazem.
Mais são as vezes em que nos
lembramos mais do mal que nos é feito, do que do bem. O mal fere-nos o ego e o
orgulho, e o bem é visto muitas vezes como uma obrigação dos outros face a nós
e não o contrário.
Tenho a vida que tenho, seja
ela boa ou má, depende sempre do ponto de vista. Mas a verdade, é que tenho a
vida que escolhi, a vida que construí e vou construindo a cada dia que passa.
Sou hoje o somatório de um vasto conjunto de lições e aprendizagens várias, com
uma longa história, vividas nesta e noutras existências anteriores. E tenho a
certeza que as minhas lições foram mais adquiridas pelo lado da dor e do
sofrimento, do que pela resignação, pela prática do Amor a Deus e ao próximo. Mas
sou o que sou e disso não posso fugir nem culpar ninguém.
Vejam que admiti que sou um
ingrato e que não consigo culpar-vos a vocês de nada, tão pouco encontrar
alguém em quem colocar as culpas desse defeito. O meu Ego e Orgulho acham isso
um enorme incómodo, não ter um bode expiatório para deitar as culpas dos meus
erros! Pois como bem sabemos, é sempre muito confortável para nós encontramos
um culpado para os nossos defeitos e problemas. E esse alguém raramente somos
nós próprios!
Às vezes, até nos damos ao
luxo de culpar Deus pelas consequências dos nossos erros, como se fosse Deus o responsável
das nossas asneiras e maus pensamentos.
No entanto, acredito que sou
hoje, uma pessoa um pouco melhor do que fui ontem, porque todos estamos sempre
a evoluir nem que seja um pouquinho. E o ontem de que vos falo, é um ontem
desta e de muitas outras vidas. É o ontem de uma história longa que não me
interessa muito em conhecer para já. Pois posso não gostar de saber o que já
fui no passado e assim na ignorância do presente, posso ir trilhando novos
caminhos de Amor e prática do Bem ao próximo, anulando dessa forma os erros
passados. Isso é o primeiro passo de gratidão para com Deus e à sua grande misericórdia
para comigo, pois Deus permite-me que retifique o mal que fiz, através dos seus
ensinamentos e das reencarnações. E isto é o nosso processo evolutivo tanto nas
esferas da Moralidade, do Conhecimento e da Espiritualidade.
Mas bom, na verdade, mesmo
sabendo isto, continuo a ser um ingrato. Pois por vezes olho para a minha vida
e ponho-me logo a desejar outra melhor. Vejo algumas pessoas ao meu redor e
acho-lhes melhores vidas do que a minha, julgo-lhes terem vidas mais felizes do
que a minha. Olho para um pobre e nem sempre sou capaz de ver que ele já foi
rico materialmente e hoje está, eventualmente, a sofrer as consequências da
vida mundana, materialista e imoral que já teve. Por outro lado o rico de hoje,
é somente um espírito que já foi pobre e que para si desejou as duras provas da
riqueza para conseguir vencê-las e evoluir um pouco mais. Mas infelizmente, os
ricos fracassam muito nessa missão…
Olho para outras pessoas que
parecem carregar em si toneladas de felicidade e talvez ainda não conseguido
entender que essas pessoas tão-somente vivem as suas vidas num plano diferente
do meu. Vivem o seu dia-a-dia na gratidão, no amor a si mesmos, ao próximo e a
Deus. Vivem as suas vidas com muito mais fé e esperança do que eu! Por isso
mesmo e começando só por aqui, essa forma de vida transforma-os logo à partida,
em seres humanos muito mais felizes do que eu…
E eis as perguntas que me
faço hoje:
Quantas vezes agradeci a
Deus pela vida que tenho?
Quantas vezes percebi e
agradeci a Deus a oportunidade que me foi dada para poder retificar os meus
erros e construir um novo amanhã?
Quantas vezes agradeci a
Deus o pão e a água que todos os dias vou podendo disfrutar à minha mesa?
Quantas vezes agradeci a
Deus a saúde e o bem-estar que, mal ou bem, ainda vou podendo gozar?
Quantas vezes agradeci os
irmãos benfeitores, encarnados e desencarnados, que me ajudam diariamente na
minha jornada de vida?
Lembro-me agora que talvez não
agradeça o suficiente. Pois sou um ingrato.
E uma grande verdade, é que
só nos lembramos do valor das coisas quando já as perdemos. Por isso a gratidão
é uma virtude.
Perante Deus, não sou mais
do que a luz que brilha dentro de mim. Luz essa que só se consegue fazer
brilhar mais através dos sentimentos do Amor. Perante Deus, não sou a casa, o
carro ou o dinheiro que possuo hoje (pois na verdade esses bens materiais somente
me foram emprestados por uns tempos). Perante Deus, não sou mais do que um Ser
mais ou menos elevado fruto dos meus pensamento e das minhas ações geradoras de
Bem e de Amor. E só a gratidão e o Amor me aproximam mais de Deus.
Tenho momentos em me
encontro envolto mundo escuro cheio de trevas e onde a luz do sol não entra
para me iluminar e guiar o meu caminho. Às vezes, parece que a minha vida perde
sentido. Parece que nada já é útil para mim ou em mim. Se me vejo num momento
de maior sofrimento, apetece-me fugir dali, para um qualquer lugar onde consiga
estar longe do que me atormenta. E outras vezes, quando me sinto um pouco mais
feliz, nem sempre consigo saborear esses bons momentos, tudo por causa do meu
orgulho e egoísmo.
Não sou capaz de valorizar o
que tenho, o que sou, o que consegui atingir como desenvolvimento interior.
Acho-me sempre mais fraco do que o meu vizinho. Acho que não tenho sorte. Acho
que Deus não olha o suficiente por mim e me ajuda. Acho que merecia mais para a
minha vida. Acho que merecia mais dinheiro, ter mais isto ou ter mais aquilo,
acho que deveria de ter sido isto ou acoloutro.
No final acho-me, por vezes, um
inútil perdido nesta vida.
E sabem porque sinto isso?
Porque sou um ingrato.
Falta-me a pureza do
coração. Falta-me a paciência e a resignação. Falta-me perceber que se estou
como estou e se sou o que sou, é tão somente porque não consegui andar mais
para a frente na minha caminhada de vida. Falta-me a paz de espírito para viver
uma vida mais ligada ao meu bem próprio, em termos de valores morais e
espirituais. Falta-me perceber que tenho de valorizar mais Deus e a sua
palavra, pois ela se reveste única e exclusivamente de Amor para o bem de toda
a humanidade e para o meu próprio bem.
Falta-me perceber que Deus e
os meus irmãos de jornada, não são os culpados das minhas tristezas e problemas
de vida. O culpado sou eu. Somente eu!…mas como o meu Ego é grande e o Egoísmo
ainda maior, os meus olhos não enxergam. Os meus olhos teimam em ver a vida
pelo lado material, não moral e espiritual. Os meus olhos não deixam que o
coração tome conta da minha vida e contribua para a minha evolução no caminho
da felicidade.
A minha ingratidão afasta-me
de Deus, afasta-me da felicidade que tanto desejo.
Mas acredito que não sou só
eu que vivo na ingratidão desta existência. De certeza que mais pessoas serão
meus companheiros nesta viagem.
E na verdade, devemos de ser
em grande número, nós os ingratos. Aqueles que não agradecem a sua vida, que se
esquecem de agradecer quem os ajuda e vai olhando por eles. Aqueles que julgam
que Deus tem de lhes dar tudo sem terem o trabalho e o suor para superarem os
processos de aprendizagem. Para aprender o que é realmente a Vida e aprenderem
a viverem mais felizes. Aqueles que ignoram o poder do amor de Deus e o poder
das acções de Bem, de Amor e Caridade ao próximo.
Sou um ingrato…é verdade.
Aproveitar todas as ocasiões
de servir ao próximo é um dever de cada um de nós, pois somos todos devedores
uns dos outros. Somente através da prática do Bem e da Caridade, sempre de uma
forma desinteressada, não só contribui para a reparação dos nossos erros do
passado, como para acelerarmos a nossa caminhada em direcção a Deus.
Fazer o Bem, sermos
caridosos com quem mais precisa, guiarmos a nossa vida com bons pensamentos e
acções sempre em nome de Deus e do maior sentimento que existe no universo, que
é o Amor, é o nosso dever e obrigação moral.
Agradecer a Deus todos os
momentos da nossa vida, sejam eles bons ou maus, pois todos em si nos trazem
lições e momentos de engrandecimento interior. Todos os momentos nos ensinam
alguma coisa.
Agradecer o Amor e as boas
práticas que o próximo nos possa fazer para nos ajudar, é mais uma vez, a nossa
obrigação.
Todos, tal como eu, temos de
aprender a deixar de sermos ingratos. Sei que é difícil, pois eu sinto o peso
dessa dificuldade. Mas isso só acontece porque ainda não temos a pureza do
coração e a força da fé inabalável em Deus, que tanto nos faz falta.
A minha existência, tal como
a de todos os ingratos deste planeta, não é triste. No fundo, acabamos por ter
tudo o que precisamos. E se não temos mais, é porque Deus entende que de mais
não precisamos para aprender as lições a que nos propusemos assimilar.
E quando alguém fizer o bem
a outrem, se for agradecido com ingratidão e não com carinho, isso deve de ser
interpretado como uma lição que Deus nos dá para que aprendamos e continuemos
perseverantes na prática do Bem de uma forma desinteressada, pois só essa conta
aos olhos de Deus. Nunca nenhum acto de Bem fica sem ser notado por Deus,
talvez pelos Homens, mas nunca por Deus.
Termino agora com duas
citações retiradas do Evangelho Segundo o Espiritismo:
“Ficai certos
de que, se aquele a quem prestais um serviço o esquece, Deus o levará em conta
do que se, com a sua gratidão, o beneficiado vo-lo houvesse pago.”
“A Natureza
deu ao homem a necessidade de amar e ser amado. Um dos maiores gozos que lhe
são concedidos na Terra é o de encontrar corações que simpatizem com o seu. Ela
lhe concede, assim, as primícias da felicidade que lhe está reservada no mundo
dos Espíritos perfeitos, onde tudo é amor e benevolência: essa é uma ventura
recusada ao egoísta.”
No fundo, a grande conclusão a retirar é que devemos
de ser gratos. Devemos de trazer no nosso coração o sentimento da gratidão para
com Deus e para com o próximo e mais do que tudo, todo o bem que fizermos a nós
retorna sob várias formas e aos olhos de Deus nunca é esquecido.
A gratidão, é um dos vários caminhos que nos leva à
felicidade…