Gosto mais dos meus amigos, pois eles acolhem-me de braços abertos
e estão sempre comigo quando preciso deles. Alguns dos meus amigos são
especiais, são fabulosos, é com eles que quero sempre estar. Estou farto da
minha família.”
Esta pequena
história que acabei de ler, poderá ser talvez, uma das muitas passagens de
muitos diários escritos por adolescentes. Pois é muito normal nestes períodos
da vida, depois da passagem pela infância, ter-se diários que se vão
alimentando com os pensamentos e acontecimentos da vida. Os diários são para
muitos jovens, o escape para retratar estados de espírito disfuncionais que vão
acontecendo nas suas vidas. Mas não é, obviamente de diários que vos quero falar,
mas sim daquilo que na sua essência também pode ser o pensamento simples de
muitos de nós relativamente às nossas famílias, pois nelas existe sempre quem
amamos mais e quem não gostamos assim tanto.
Quem não tem ou
nunca teve problemas com familiares?
O tema da
palestra de hoje é a família. E nesse sentido, irei falar-vos um pouco do que
são famílias materiais ou consanguíneas e as famílias espirituais.
O termo família é
derivado do latim “famulus” que
significa “servo”, demonstrando assim desta forma que em família devemos de nos
servir uns aos outros.
No plano
espiritual, o princípio base da família é que todos contribuam para o progresso
e evolução comum.
A Constituição da
República Portuguesa, no seu artigo 67º, define a família como o elemento fundamental
da sociedade, com direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação
de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.
No fundo, a
grande conclusão é que as famílias, são os pilares das sociedades, possuem um papel
fundamental nas mesmas e são nas famílias que nós encontramos muitas ferramentas
de progresso e evolução moral que tanto necessitamos.
Voltando agora às
questões apresentadas pelo jovem do diário, estas são muito transversais a
todos nós, pois ninguém nasce isolado ou órfão de uma família material e por
isso mesmo é muito normal, nós próprios encontrarmos nas nossas famílias,
pessoas com as quais não conseguimos estabelecer afinidades, ligações afectivas
mais ou menos fortes, sejam estas com pai, mãe, irmãos, etc…, pessoas com quem
não conseguimos sequer “ligarmo-nos” sentimentalmente, por exemplo.
O que quero dizer
exactamente, é que não é por esta ou aquela pessoa ser nosso familiar
consanguíneo muito próximo, que temos de obrigatoriamente e acima de tudo gostar
dela e termos que desenvolver grandes afinidades com elas. Mas não esqueçamos
que lhe temos o dever do respeito e do amor, ainda que isto seja tão difícil e
tão poucas vezes posto em prática.
Os laços
consanguíneos, isto é de sangue, não são ligações necessariamente baseadas no
passado com alguém, como por exemplo são as afinidades espirituais, pois o
corpo precede do corpo, mas o espírito não procede do corpo, porque ele (o
espírito) já existia muito antes da formação do corpo. O pai não gera o
espírito do filho, fornece-lhe apenas o envoltório corporal (o corpo) e é
responsável pelo seu desenvolvimento moral e intelectual no sentido de o fazer
evoluir e progredir.
Já agora,
digo-vos que á luz da doutrina Cristã, o papel de um pai ou mãe perante seus
filhos é enorme e de elevada responsabilidade, não devendo ser vista como
tarefa menor ou pouco relevante.
E isto é
facilmente explicado por Emmanuel, no
livro “Família”:
“Recebamos na criança de hoje, em pleno
mundo físico, o companheiro do pretérito que nos bate à porta do coração,
suplicando reajuste e socorro. Estendamos a luz da educação e do amor,
diminuindo as sombras da penúria e da ignorância”
Sobre a família
material, Alan Kardec, através do Livro do evangelho segundo o Espiritismo (Ver cap. IV, nº 13), define-a desta
forma:
“Os Espíritos que se encarnam numa mesma família, sobretudo
como parentes próximos, são os mais frequentemente Espíritos simpáticos,
ligados por relações anteriores, que se traduzem pela afeição durante a vida
terrena. Mas pode ainda acontecer que esses Espíritos sejam completamente
estranhos uns para os outros, separados por antipatias igualmente anteriores,
que se traduzem também por seu antagonismo na Terra, a fim de lhes servir de
prova. Os verdadeiros laços de família não são, portanto, os da
consanguinidade, mas os da simpatia e da comunhão de pensamentos, que unem os
Espíritos, antes, durante e após a
encarnação. Donde se segue que dois seres nascidos de pais diferentes podem ser
mais irmãos pelo Espírito, do que se o fossem pelo sangue. Podem, pois,
atrair-se, procurar-se, tornarem-se amigos, enquanto dois irmãos consanguíneos
podem repelir-se, como vemos todos os dias.”
Esta
análise sucinta, retrata muito bem o que se passam em inúmeras famílias e em
todas as sociedades. Vulgarmente, até se costuma dizer muitas vezes que nós
escolhemos os amigos, mas não a nossa família. Mas ainda assim temos de viver
com ela, tal como se nos apresenta.
O
que importa reter da família material, é que a sua constituição e definição,
apesar de ser estranha aos nossos olhos, não é de todo um acaso ou uma mera
fatalidade do destino. Foco a vossa atenção no facto de a família ser um dos
maiores factores de crescimento pessoal que Deus coloca à nossa disposição, pois
é através dela que o Homem reforça os laços de amor e desenvolve muitas das
ferramentas necessárias ao seu desenvolvimento e crescimento moral e
espiritual, como já tinha referido anteriormente.
Mas
nem todas as famílias vêem unidas por laços de amor, muitas são construídas e
desenvolvidas em bases de ódios e desavenças do passado, por isso, tal como o
nosso jovem de quem li uma passagem do seu diário, nos perguntamos muitas
vezes: mas porque nasci eu nesta família? E muitas vezes dizemos em forma de desabafo;
Que mal fiz eu a Deus?
Mas
aqui, Deus não é o culpado. Somos sempre nós.
Muitos
são aqueles que se sentem como “deslocados” perante as suas famílias, e muitas
são as vezes em que se sentem como se não pertencessem ali. E porque será que
assim acontece?
É
a partir daqui que se pode começar a analisar as relações humanas mais no plano
espiritual, pois é preciso entender que as famílias materiais, são de ordem bem
diferente das famílias espirituais.
No livro do evangelho
segundo o Espiritismo, Kardec apresenta a
seguinte reflexão sobre a família espiritual:
“No
espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçados pela afeição, pela
simpatia e pela semelhança das inclinações. Ditosos por se encontrarem juntos,
esses Espíritos se buscam uns aos outros. (...) Se uns encarnam e outros não,
nem por isso deixam de estar unidos pelo pensamento.”
Os constituintes de uma família material, nem sempre são os mesmos das famílias espirituais, mas uma maioria é, e isso é sentido de forma muito particular por cada de nós, isto é, pela afeição e amor que sentimos pelo outro. Também por aquele sentimento inexplicável que nos faz sentir como se nos conhecêssemos e fossemos amigos do coração desde longa data, por exemplo.
Devemos de ter
consciência que a complexidade do universo, tanto na forma como agimos sobre
ele, como na forma como ele interage connosco, que é grande parte fruto da
conhecida Lei da causa-efeito. Bem sabemos que somos hoje o fruto do que temos
vindo a ser no passado e no presente que rapidamente se transforma no passado,
porque o tempo tal como o conhecemos não pára. E no que respeita á nossa
família material, esta é também fruto de um continuado processo evolutivo,
tanto da nossa parte, como das dos demais que a compõem nesta existência. Estar
incluído numa família material, que está fora do contexto da nossa família
espiritual, é muitas vezes uma prova de aperfeiçoamento e acerto, não de
castigo como facilmente se poderia concluir, advém sim no sentido de contribuir
para o nosso desenvolvimento pessoal, pois será nessa família que escolhemos
antes de encarnar, que iremos encontrar aquilo que precisamos para evoluir e
crescer, num ambiente que nos era estranho até então.
Jesus, explica-nos o conceito de
família espiritual na passagem do Evangelho de Mateus:
“Enquanto ele ainda falava à multidão, a
mãe e os irmãos dele estavam de fora, procurando falar-lhe. E alguém disse-lhe:
‘olha, tua mãe e teus irmãos estão lá fora e procuram falar-te’.
Mas ele respondeu ao que lhe falava: ‘quem
é minha mãe e quem são meus irmãos’?
E estendendo a mão para seus discípulos,
disse: ‘Eis minha mãe e meus irmãos; porque aquele que fizer a vontade de meu
Pai que está nos céus, esse é meu irmão, irmã e mãe!’”
Por estas palavras, podemos facilmente perceber que através das palavras de
Jesus, a família não é mais do que o grupo, conjunto de pessoas ou espíritos,
que estão alinhados nos propósitos maiores das leis de Deus e do Amor. Em suma,
a nossa união familiar é somente baseada nos laços afectivos.
Não nos podemos esquecer nunca, que as famílias cuja união se encontra nos
laços espirituais, jamais se desfazem, são relações duradouras e vão-se
fortificando pela purificação contínua dos seus membros.
Por outro lado, as famílias materiais, são frágeis como a própria matéria,
extinguem-se com o tempo e quase sempre são dissolvidas moralmente desde a vida
actual.
Estas explicações, encontramo-las detalhadas no Livro do Evangelho segundo
o Espiritismo, na parte do Parentesco Corporal e Espiritual.
Com estas breves explicações sobre as famílias materiais e espirituais,
talvez agora consigamos entender um pouco melhor os porquês de alguns membros
das nossas famílias não serem vistos por nós da mesma forma que os restantes. O
que quero dizer é que todas as famílias possuem o “deslocados”, as “ovelhas
ranhosas”, os “prodígios” ou os “santos”, como se costuma dizer na vulgaridade.
Nas famílias materiais apesar de sermos todos diferentes uns dos outros, mas
existem laços invisíveis que nos unem mais a uns do que outros.
O que é fundamental entender, é que estamos todos inseridos em famílias, mas
fazemos todos parte de uma só, tendo todos nós o mesmo criador.
Devemos de olhar para os membros da nossa família com algum cuidado, isto
porque se existem alguns que nos são menos afáveis, é porque tanto nós como
eles precisamos uns dos outros para continuarmos na nossa caminhada evolutiva
É nosso dever compreender melhor a nossa família. Bem sei que não é fácil,
quando se tem ao nosso lado pessoas com carácter, essência e visão da vida tão
diferentes de nós. Mas temos a obrigação de ser diferentes, de nos aceitarmos
uns aos outros, pois temos o Amor de Deus ao nosso lado.
Ter consciência do nosso papel no mundo, das nossas obrigações morais. Ter
consciência da nossa riqueza interior, é sem dúvida o primeiro passo para
entender a nossa família. E mesmo que as feridas sejam grandes, há sempre
espaço no nosso coração para os entender e ajudar, seja de que forma for, pois
se eles estão na nossa vida é porque precisam tanto de nós como nós precisamos
deles mesmo que isso nos seja difícil de entender neste momento.
Concluo com os seguintes pensamentos que resumem bem o nosso papel na vida
familiar:
Allan Kardec:
"Não são os da consanguinidade os verdadeiros laços de
família e sim os da simpatia e da comunhão de ideias, os quais prendem os
espíritos antes, durante e depois de suas encarnações."
E de São Vicente de Paulo:
"Sede bons e caridosos
- é a chave dos céus que tendes em vossas mãos. Toda felicidade eterna está
encerrada nesta máxima: Amai-vos uns aos outros. Nas regiões espirituais, a
alma só pode elevar-se pelo devotamento ao próximo."
Por muito difícil que o seja, devemos de nos
esforçar por amar a nossa família, da melhor forma que conseguirmos….
Obrigado,
Novembro 2012