“Não me sentia bem interiormente. O meu espírito estava irrequieto,
ansioso, muito incomodado, diria até odioso. Aproximei-me do meu irmão, olhei-o
fixamente com um olhar quase raivoso e deferi-lhe uma bofetada, alimentada por
sentimentos de ódio e rancor. Recuei um passo atrás, esperando por uma
resposta, uma bofetada de volta talvez ou um insulto. Deixei-me levar por uma
revolta interior que não conseguia controlar e acalmar. Não pensando, agi
daquela forma porque achava que a razão estava do meu lado.
O meu irmão olhou para mim, imóvel. E com um olhar fraterno, calmamente
disse-me: Eu perdoo-te! Virou-me as costas e seguiu o seu caminho sem olhar
para trás.
Naquele momento, o meu corpo ficou sem forças. Cai sobre mim próprio. A
minha consciência cobrava-me o acto irreflectido e injusto que acabara de fazer
ao meu irmão. Arrependia-me. Sofria agora o tormento de uma culpa que tinha
sido perdoada. Percebi naquele momento que tinha agido mal e que a razão não
importava mais.”
Chamei à palestra de hoje: O perdão do meu irmão
Quando me refiro a irmão,
refiro-me a todos nós, pois à luz da doutrina de Jesus, somos todos irmãos,
somos todos filhos de Deus. E por isso mesmo, a análise será feita aos actos
que nós fazemos relativamente ao próximo, aos nossos irmãos.
Muitas vezes ouvimos falar
em perdoar. Talvez tenhamos ouvido pronunciar esta palavra vezes de mais e
muitas dessas vezes, não se tratou de um perdão verdadeiro, mas sim de um quase
ritual de remissão. Do género, fazes-me mal, eu perdoo-te e pronto o assunto
está resolvido. Mas será mesmo assim o verdadeiro perdão?
Certo dia Pedro perguntou a Jesus; Quantas vezes perdoarei ao meu irmão?
Jesus
respondeu-lhe que Perdoá-lo-eis, não
sete vezes, mas setenta vezes sete.
Com esta resposta, Jesus não queria dizer que temos de
perdoar 490 vezes um pecado que seja cometido contra nós, mas sim que o perdão
não se limita a um simples jogo de palavras ou números de vezes que o fazemos,
mas sim, na aplicação de um sentimento de elevada grandeza moral e espiritual,
que é o do Perdão com Amor.
Não esperando por contrapartidas, nem benefícios.Para perdoar, não basta
dizê-lo ou pensá-lo, é preciso senti-lo. Senti-lo do mais profundo do nosso
coração.
O perdão verdadeiro,
reconhece-se pelos actos, não pelas palavras.
A palavra perdão, traduzida
do Grego, significa anular, cancelar ou remir, é como sendo a libertação de uma
obrigação contraída pela falta ou pecado.
A nossa existência terrena
neste planeta, obriga-nos a conviver e lidar com muitas pessoas ao longo da
vida, cada uma o mais diferente que possamos encontrar na pluralidade do ser
humano. Como não somos seres de grande elevação moral e espiritual, acabamos sempre
por cometer algum pecado contra um irmão nosso, podendo ser mais ou menos
doloso. Dificilmente conseguimos passar pela nossa vida sem trazer mágoas a
alguém, de forma consciente ou não.
Se fossemos seres elevados,
nunca estaria aqui a falar em perdão, pois nessa condição moral, em momento
algum existe a possibilidade de desejar, de forma premeditada ou não, magoar ou
trazer prejuízo ao próximo.
Somos ainda seres muito
impuros, materialistas, muito longe da nossa verdadeira essência, que é a
Espiritual. No fundo, ainda estamos muito longe da excelência de Deus. Mas isso
não faz de nós seres maus ou inúteis sem futuro, pois seja de uma forma mais ou
menos célere, todos nós, sem excepção, todos nós caminhamos para Deus.
Caminhamos para a perfeição moral, intelectual e espiritual.
Como todos sabemos, existe
uma lei universal pela qual todos nós somos geridos e decerta forma obrigados a
aceitar. E esta lei, encontramo-la expressa em todos os domínios da nossa
existência. O cientista Antoine Lavoisier, considerado o pai da química
moderna, tem uma frase que ajuda a caracterizar esta mesma lei do ponto de
vista da ciência. Ele expressa-a da seguinte forma: “Na natureza, nada se perde tudo se transforma”. Do ponto de vista
moral e espiritual, esta lei é designada como a lei da Causa-Efeito. Assim
sendo, seja do lado da ciência objectiva ou da moralidade, todos nós somos
geridos pelos frutos dos nossos actos. A cada acção que tomamos, uma reacção
ocorre. Um acto de amor, gera um acto proporcional de amor. O mesmo acontece
para um acto de ódio.
Com isto, gostaria de
deixar-vos muito claro que perdoar não é um acto isolado, um teatro ou um acto
em vão e inconsequente. Perdoar é ir muito além da nossa capacidade humana, é
entrar nos domínios da moralidade e espiritualidade maior. Tal como Jesus nos
ensinou. Perdoar é aproximar-se de Deus.
“Sede uns para com os outros benignos,
compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo vos
perdoou” (Efésios 4.32)
Não podemos de esquecer-nos
que o facto de sermos perdoados por uma falta, não significa que a falta por si
tenha sido esquecida. E que perante as faltas somos sempre devedores
espirituais e perante todas as nossas faltas terá de existir a justa correcção.
E essa mesma correcção vem da nossa própria consciência, que nos julga e mostra
o caminho do acerto. Deus não condena os seus filhos, simplesmente deseja que
cada um de nós se acerte com as suas Leis de Amor, com os seus desígnios. Deus
quer que sejamos justos e nos elevemos moralmente. E para isso temos de provar
os dissabores provocados pelos nossos erros e faltas, unicamente fruto do nosso
livre arbítrio. Nós somos responsáveis pelo que fazemos, temos o nosso destino
nas mãos e Deus somente nos mostra o caminho, a cada um compete percorrê-lo.
Nunca nos podemos esquecer
que as nossas vidas já são longas e apesar de não sabermos o que já fomos em
cada uma das existências anteriores, sabemos que a cada nova existência, fomos
ou melhorando-nos ou estagnando, neste nosso processo evolutivo. A cada nova
existência terrena, fomos contraindo créditos e novos débitos. Por isso mesmo,
somos incumbidos de equilibrar a nossa balança moral e espiritual, anulando as
más acções e conquistando a nossa Luz interior através das boas acções e do
Amor ao próximo. Perdoar, faz parte deste processo. E acreditem em mim, perdoar
é bem mais fácil dizê-lo do que fazê-lo realmente.
Nós não temos a missão de
mudar o mundo. Não temos que mudar ninguém. Nós que sabemos muito mais do que
está para lá desta vida, não temos que fazer que os outros acreditem no que
quer que seja. Nós não somos os novos Messias. Somos seres simples e
ignorantes, muito impuros ainda. A nossa missão é só uma, e trata-se de
mudarmo-nos a nós próprios. Mudarmo-nos interiormente. Só isso.
Pois lembrem-se sempre que
se Jesus foi o exemplo vivo para a humanidade. Nós, seres simples e ignorantes,
também o podemos ser. Pois se nos mudarmos interiormente, mudaremos o nosso
exterior e assim, os outros mais infelizes e ignorantes, olharão para nós e
desejarão saber o que nós temos a mais, que eles não têm. Desejarão saber onde
vem a nossa felicidade e luz interior.
Mas rapidamente descobrirão
que nós não temos nada mais do que eles, a não ser uma maior noção do Mundo, da
Vida, de Deus e de nós próprios. A felicidade está dentro de nós, tal como está
Deus, tal como está o Amor.
Muitas vezes pecámos contra
o nosso irmão e muitas vezes ele pecou contra nós. A diferença temos de ser nós
a fazê-la, pois nós sabemos que se perdoarmos, seremos perdoados, tal como
desejamos que Deus nos perdoe as nossas faltas, os nossos erros e pecados. Nós temos mais responsabilidades face
ao irmão que peca contra nós, pois não somos ignorantes, não vivemos na
escuridão dos sentimentos de falta de Amor-próprio e de Amor ao próximo, não
vivemos na escuridão da falta de fé, conhecemos Deus, os seus mistérios e seus
ensinamentos.
Errar é humano, é verdade. Mas perdoar também o é. Mas
nós somos mais do que simples humanos, somos filhos de Deus. Somos filhos do
Amor.
Jesus,
disse ao Apóstolo Pedro: “Perdoarás, mas
sem limites; perdoarás cada ofensa, tantas vezes quantas ela vos for feita;
ensinarás a teus irmãos esse esquecimento de si mesmo, que nos torna
invulneráveis às agressões, aos maus tratos e às injúrias, serás doce e humilde
de coração, não medindo jamais a mansuetude; e farás, enfim, para os outros, o
que desejas que o Pai celeste faça por ti. Não tem Ele de te perdoar sempre, e
acaso conta o número de vezes que o seu perdão vem apagar as tuas faltas?”
Kardec
complementa com:
"A misericórdia é o complemento da brandura, porquanto
aquele que não for misericordioso não poderá ser brando e pacífico. Ela
consiste no esquecimento e no perdão das ofensas". (do Livro Evangelho
Segundo o Espiritismo).
Tomemos para nós a humildade. Sejamos firmes na fé e
aprendamos a perdoar. Pois mesmo que sejamos ofendidos, o dia chegará em que o
irmão que nos ofendeu, se redima, reconhecerá o seu erro e inclinará o seu
orgulho nos pedirá perdão. Aí perdoaremos e aceitaremos no esquecimento a
injúria.
Perdoar é Amor. Perdoar é aproximar-se de Deus e por isso
temos de aprender a fazê-lo, por muito que nos custe, pois o nosso Ego e
Orgulho está sempre presente nos nossos corações.
“Perdoai, usai a indulgência, sede caridosos, generosos, e até mesmo
pródigos no vosso amor. Daí, porque o Senhor vos dará; abaixai-vos, que o
Senhor vos levantará; humilhai-vos, que o Senhor vos fará sentar à sua
direita.”
(Mensagem do apóstolo
PAULO – Lyon, 1861)
Partilho agora a única oração que Jesus
nos ensinou e deixou, a oração onde encontramos a razão de toda a nossa
existência e conduta, a mesma que nos leva até Deus.
“Pai Nosso que estais no
Céu.
Santificado seja o vosso
nome.
Venha a nós o vosso
reino.
Seja feita a vossa
vontade, assim na Terra como no Céu.
O pão nosso de cada dia,
nos dai hoje.
Perdoai-nos as nossas
ofensas.
Assim como nós perdoamos
a quem nos tenha ofendido.
E não nos deixeis cair em
tentação.
Mas livrai-nos de todo o
mal.”
Esta simples oração que se divide 9 princípios, são a base de
toda a nossa essência moral e espiritual e quem trouxer em si mesmo estes
princípios, mais perto estará de Deus.
Termino com uma citação de Allan Kardec:
“Não façais aos outros o que não quereríeis que vos fosse feito, mas
fazei-lhe, ao contrário, todo o bem que está em vosso poder fazer-lhe.”