Passeava-me
um dia num jardim, numa tarde de verão. O calor apertava mas não me cansava de
admirar a beleza da natureza que me rodeava, a relva verdejante, as plantas com
flor que davam um belo colorido aos canteiros, as árvores de grande e pequeno porte
que me proporcionavam sombra para me resguardar de um sol lindíssimo que
brilhava no céu azul. O dia era de descanso. Sentia-me em paz, comigo e com o
mundo.
A certa
altura, deparo-me com um sujeito sentado num banco de jardim. Não fosse o seu
semblante carregado e não me deteria ali, pois o mais natural era ver as
pessoas passearem ou descansarem nos bancos de jardim. Mas aquele sujeito
prendeu a minha atenção, pois o seu olhar estava vazio e as suas feições
transbordavam sentimentos de profunda tristeza.
Aproximei-me
e sentei-me a seu lado. Nem para mim olhou ou manifestou qualquer tipo de
expressão. Só o corpo dele ali estava, a sua mente vagueava sabe-se lá onde.
Passado um pouco, olhou para mim mantendo o silêncio. Vi lágrimas nos seus
olhos.
Coloquei uma
mão no seu ombro, e disse-lhe: Qual a razão do teu sofrimento, meu irmão?
Sofrimento. Palavra que muito ouvimos e conhecemos,
que reúne e se traduz em tão diversos e dolorosos momentos nas nossas vidas. O
sofrimento, será o tema da palestra de hoje.
Falar de sofrimento, não
é fácil, pois muitas vezes confunde-se a dor com o sofrimento, quando na
verdade uma é consequência da outra, mas o sofrimento por si só não precisa de
nascer de uma dor.
Convenhamos que a dor
é física, é maleita do corpo. O sofrimento é mais profundo, pois vem da alma.
E muitas vezes ouvi
dizer que as dores da Alma são bem piores que as do corpo.
Agora digam-me:
Alguém aqui já passou por um
momento de sofrimento na sua vida?
E saberão quais foram as
causas desse sofrimento (não falo de dores)?
Acham
que foi castigo divino ou foi por culpa própria?
Vamos
tentar encontrar respostas para estas questões…
Jesus disse-nos um
dia, através da seguinte mensagem que encontramos no evangelho de S. Mateus:
“Vinde a mim, todos
vós que estais aflitos e sobrecarregados, que eu vos aliviarei. Tomai sobre vós
o meu jugo e aprendei comigo que sou brando e humilde de coração e achareis
repouso para vossas almas, pois é suave o meu jugo e leve o meu fardo.“
Esta mensagem que Jesus nos
transmite, carrega em si mesma, boa parte das razões associadas ao nosso
sofrimento. Sejam a brandura e a humildade, como nela são referidas, condições essenciais
ao Homem para que este não sofra.
A sobrecarga e as aflições que Jesus
fala, não são mais do que os fardos que vamos acumulando ao longo da nossa
caminhada de vida, carregando a nossa alma com orgulhos, vaidades, egoísmos, etc...
Jesus não nos condena, somente nos
diz que estamos errados em seguir por essas vias e que se nos encontramos num
estado de infelicidade é por culpa nossa e que olhemos para Ele, pois o seu
jugo e fardo são muito leves.
Creio que não será difícil de
entender que as únicas razões que estão na base do nosso sofrimento, são as
nossas imperfeições morais.
Não vale a pena procurar mais longe,
nem tentar articular uma qualquer teoria mais ou menos elaborada e complexa
para explicar os porquês do nosso sofrimento: Sofremos por culpa própria.
Sofremos, porque somos seres que
facilmente se entregam às paixões mundanas da vida, porque somos egoístas e
orgulhosos, porque somos mais vaidosos com o TER do que com o SER,
porque achamos que o amanhã não existe e por isso temos de viver tudo hoje, porque
não aceitamos ser humildes de coração e queremos ser muitas vezes o centro das
atenções, os maiores, os valentes. Sofremos muito pela falta de amor-próprio e
amor ao próximo, sofremos porque não somos caridosos e depois muitos outros não
o são connosco quando um dia precisamos deles, sofremos pela nossa falta de fé
no futuro.
Somos imperfeitos, é verdade. Temos
muitos defeitos a corrigir. E quando pensamos um pouco naquilo que
verdadeiramente somos, não por fora, mas sim por dentro, tanto para nós
próprios como para os outros, muitas vezes o dedo acusador da nossa consciência,
arrebata-nos com uma força muito grande, mostrando-nos que não caminhamos nos
trilhos certos da vida.
Mas importa entender que nós não
sofremos porque somos maus. Sofremos porque somos ignorantes… Porque aqueles a
quem achamos de maus, não o são na verdade, são somente seres ainda muito
ignorantes.
Mas em verdade vos digo, que o
sofrimento não é opção nas nossas vidas. Faz parte integrante delas e
dificilmente (pelo menos para já) iremos conseguir livrar-nos de sofrer.
E porque vos digo isto?
A resposta é muito fácil. Somos seres
muito impuros ainda e por isso, só conseguimos aprender as nossas lições pelo
lado menos bom, isto é, pela dor e pelo sofrimento.
Lembremo-nos que estamos encarnados
para aprender, para evoluir moral e intelectualmente, não andamos aqui para ter
mais 10 carros, 5 casas, 20 kg de ouro e joias, 3 aviões e 1 uma ilha
paradisíaca, ou qualquer que seja o bem material que exista. Estamos aqui para
crescer e evoluir em valores morais. Estamos aqui para crescer no Amor.
E um dos grandes problemas que
contribui para o nosso atraso evolutivo é este mesmo.
Vou contar-vos agora uma história
bíblica muito profunda:
“Havia na
terra de Huz, um homem muito rico chamado Job, que era irrepreensível, um homem
de bem, que temia Deus e evitava tanto quanto possível o mal. Tinha 7 filhos e
3 filhas, 7.000 ovelhas, 3.000 camelos, 500 juntas de novilhas entre muitas
outras coisas. Mais eis que um dia desbaba sobre esse homem uma catástrofe.
Perdera tudo o que possuía, morreram-lhe os filhos e filhas, ficou coberto de
lepra da cabeça aos pés. Ficou apenas com a sua mulher insensata e sem
caridade.
Então de
milionário, ficou reduzido a mendigo. Sentou-se sobre um monte de lixo e
raspava as suas feridas com restos de um vaso que fora uma relíquia. No meio da
sua dor, disse:
“ Nu sai do seio da minha mãe
Nu voltarei ao seio da terra
O senhor me deu
O senhor me tirou
Bendito seja o nome do senhor”
A atitude de
Job diante daquela tragédia que se abatera na sua vida, mostra a grandeza,
elevação e evolução do seu espírito. Compreendeu, sem revolta, o porquê do seu
sofrimento e assim soube sofrer com resignação, com calma, paciência e
sobretudo, não desesperou.
A vida, manifesta-se-nos diariamente
com base em duas leis divinas primordiais, que são a Lei do Amor e a Lei da
Causa-Efeito, entre outras obviamente, mas estas possuem grande importância. E
estas duas, afectam o nosso dia-a-dia de uma forma que dificilmente conseguímos
entender completamente.
Com isto vos quero dizer,
que quando se sentirem sofredores, não procurem primeiro as causas externas
desse sofrimento. Procurem primeiro dentro de vós mesmos, pois as respostas
estão lá guardadas e prontas a serem-vos dadas logo que a vossa consciência
desperte para elas.
Tudo está dentro de cada um
de nós. Deus deu-nos o privilégio de sermos seres únicos que caminham por sua
própria vontade e podem construir o seu amanhã da forma como o quiserem viver.
Deveríamos de dar graças ao
livre arbítrio que Deus nos concede, pois é através desse mesmo livre arbítrio
que podemos sofrer menos hoje e amanhã.
E como faço isso, é a grande
questão? Como posso deixar de sofrer?
Pois bem, essa parte é muito
fácil dizer-vos. Durante a palestra até já o fiz. Mas a grande e invariável
verdade, é que é muito difícil para nós deixarmos de sofrer hoje. Estamos
condenados a isso, fruto de sermos da forma como somos.
Seja pelos erros do passado,
antes desta existência, como pelos erros desta mesma existência, a limpeza do
nosso coração precisa ainda de muito trabalho, de muitas horas e experiências
para se limpar definitivamente.
Quando muitas vezes aqui se
fala de Amor, Caridade e Humildade, só para dar alguns exemplos, nunca pensaram
que a felicidade das nossas vidas só está alicerçada nestes pilares? Que tudo o
resto é efémero, passageiro e sem importância?
São tantas coisas
conscientemente ou inconscientemente que fazemos aos outros e contra nós que
nem sempre é fácil entender a razão do nosso sofrimento. Mas estamos aqui para
aprender e se conseguirmos realmente assimilar as lições a que nos destinámos
aprender, seremos todos os dias um pouquinho mais felizes e menos sofredores.
Jesus disse-nos: "Bem-aventurados os aflitos, pois que serão consolados."
Mas, como há de alguém
sentir-se ditoso por sofrer, se não sabe por que sofre?
O sofrimento é um bálsamo
para a nossa evolução moral.
Não chega eu saber o que é e
para que serve esta ou aquela ferramenta se não a souber usar, por exemplo.
Para saber o que é o amor, preciso de saber o que é o ódio. Para saber o que é
a fome, preciso de saber o que é a abundância. Precisamos de passar pelas
experiências para aprender…. e são essas passagens que nos fazem sofrer muito,
pois não conseguimos entender a sua génese.
Por muito que nos custe
acreditar e aceitar, precisamos nesta fase da nossa evolução, de sofrer. Não
que o queiramos ou gostemos disso, muito pelo contrário, mas sem o sofrimento
devido, não conseguimos aprender.
Somente o Homem com uma
consciência mais elevada consegue aprender com os seus erros, aceitando com
calma, resignação e paciência as consequências dos mesmos. Esse Homem, será
sempre muito menos sofredor e sobretudo, caminhará muito mais rapidamente na
direção de Deus.
Tenhamos fé e esperança,
pois um dia deixaremos de sofrer, porque já não precisaremos de passar pelas
lições da vida terrena.
Termino com uma frase de
Allan Kardec, que exprime muito bem a mensagem que vos desejei transmitir hoje:
“O homem é assim o árbitro constante de sua
própria sorte. Ele pode aliviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua
felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem.”